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Pagamento de haveres em simetria a sua ordem hierárquica

A hierarquia para pagamento de haveres deve ser observada à luz da Constituição da República Federativa do Brasil, inciso XX, art. 5º e art. 170

A hierarquia para pagamento de haveres deve ser observada à luz da Constituição da República Federativa do Brasil, inciso XX, art. 5º e art. 170, e o regime principiológico composto dos princípios: princípio da menor onerosidade para o devedor, princípio da preservação da empresa, princípio da razoabilidade, princípio da proporcionalidade e o princípio da epiqueia contabilística.

E com esta simetria e paridade de interpretações, apresentamos uma reflexão, considerada como referente para um diálogo técnico-científico, entre a legislação e a doutrina.

Segue a nossa posição doutrinária[1]:

O capital social representa uma garantia aos credores, e quando existe a resolução da sociedade, em relação a um sócio, este deixa de ser sócio, e passa a ser credor ou eventualmente devedor da sociedade. E isto significa um fato adverso que influencia o direito dos demais credores, pois o que representava uma garantia, capital social, deixou de ser, por uma mutação patrimonial de iniciativa dos sócios, fato permutativo modificativo, permuta do patrimônio líquido para o passivo exigível a longo prazo.

Existem fatores modificativos e restritivos ao direito do sócio/acionista retirante de receber seus haveres ou reembolso de ações, como a satisfação dos demais credores que tem preferência em relação ao ex-sócio/acionista. Pois o direito de receber os haveres não é absoluto. O direito de retirar-se da sociedade, é um direito potestativo, já o de receber os haveres à vista em até noventa dias, § 2o do art. 1.031 do CC/2002, na essência sobre a forma, é um crédito da categoria quirografário em sua última escala de preferência, e submete-se à hierarquia das obrigações, da Lei de Recuperação da Judicial Extrajudicial e a Falência do Empresário e da Sociedade Empresária, referenciada no quadro-geral de credores, com o caixa ou equivalente de caixa e ainda com a realização do ativo, pois tais recursos serão destinados prioritariamente ao pagamento dos credores existentes antes da resolução da sociedade em relação a um ou mais sócios.

O direito de retirada imotivada, é tido como potestativo, pois decorre da liberdade constitucional de não permanecer associado, garantida pelo inciso XX do art. 5º da CF, assim no âmbito constitucional surge o direito de uma existência digna para a sociedade, nos termos do art. 170 da CF. Ambos os direitos, o de retirada como o da existência digna devem ser interpretados à luz de um juízo de ponderações, pois não existe uma hierarquia nos princípios constitucionais. Sendo que a retirada de um sócio/acionista, com participação superior a 5%, pode, talvez, comprometer a continuidade dos negócios, portanto, estes haveres devem ser pagos em simetria à capacidade de desembolso da sociedade apurada por uma perícia contábil. Uma abrupta redução do capital social cria a possibilidade de descontinuidade dos negócios, com o comprometimento da dignidade da pessoa jurídica.

Uma sociedade e seus sócios que ignorem a prioridade hierárquica e a garantia a credores que o capital social representa, e pague prioritariamente haveres de sócio, pode, quiçá, ser questionada na Justiça, pelos credores, que já o eram antes do pedido de resolução e/ou existentes antes da sentença de resolução da sociedade que determinou o pagamento dos haveres. Tal fato, prejuízo a credores, deve ser reparado pelo sócio retirante, em harmonia ao art. 1.032 do CC/2002. Este questionamento na Justiça, além da hipótese do art. 1.032 do CC/2002, é possível alegações no sentido da existência de indícios de fraude[2] a credores por dissimulação de retirada de sócio, com o propósito de esvaziar o patrimônio da sociedade. Até porque, presume-se que cabe ao devedor à sociedade, o ônus de provar sua solvibilidade após a resolução da sociedade em relação a um ou mais dos sócios.

A relação dos credores que tem preferência de recebimento sobre o ex-sócio, consta de nossa doutrina[3], cuja cópia segue:

  1. Créditos trabalhistas são os limitados a 150 (cento e cinquenta) salários-mínimos por credor e os decorrentes de acidente de trabalho;
  2. Créditos tributários, independentemente da sua natureza e tempo de constituição, excetuadas as multas tributárias;
  3. Créditos com garantia real até o limite do valor do bem gravado;
  4. Créditos com privilégio especial são os tipificados no art. 964 do CC/2002; mais os assim definidos em outras leis civis e comerciais; e aqueles a cujos titulares a lei confira o direito de retenção sobre a coisa dada em garantia; aqueles em favor dos microempreendedores individuais e das microempresas e empresas de pequeno porte;
  5. Credores quirografários e com privilégios gerais são os previstos no art. 965 do CC/2002; os saldos dos créditos não cobertos pelo produto da alienação dos bens vinculados ao seu pagamento; os saldos dos créditos derivados da legislação do trabalho que excederem o limite de 150 salários mínimos; as multas contratuais e as penas pecuniárias por infração das leis penais ou administrativas, inclusive as multas tributárias; os créditos subordinados e assim previstos em lei ou em contrato; os créditos dos sócios e dos administradores sem vínculo empregatício. Os créditos trabalhistas cedidos a terceiros são considerados quirografários e com privilégios gerais.

Outro fator modificativo e restritivo ao direito do sócio/acionista retirante de receber seus haveres ou reembolso de ações à vista, e consequentemente parcela única, é o da real capacidade de pagamento da sociedade sem que esta sofra solução de continuidade em suas atividades, o que está em sintonia ao princípio da preservação da empresa[4].

A capacidade de pagamento[5] é a probabilidade existente que uma sociedade tem de pagar haveres de sócio/acionistas. Esta amplitude é utilizada como um indicador que tenta medir a possibilidade de se evitar os riscos de insolvência em decorrência de um desembolso superior à capacidade de pagamento, face ao endividamento e geração de caixa, permitindo tomar decisões para a preservação da empresa.

E por derradeiro, o pagamento dos haveres à vista, diminui a garantia dos credores em virtude da resolução da sociedade e da redução do seu capital social, salvo se os demais sócios suprirem o valor da quota do sócio que se retira.

À luz do princípio da epiqueia contabilista, da razoabilidade, da proporcionalidade e da proporcionalidade, é uma injustiça o pagamento dos haveres à vista, em que a sociedade, sem caixa/equivalente de caixa, e/ou sem liquidez, tenha que pagar os haveres do sócio, ficando a sociedade descapitalizada e os demais sócios com um negócio inexequível economicamente por insuficiência de capital de giro ou com dívidas de juros elevadíssimo de empréstimos feitos exclusivamente para satisfazer os direitos dos sócios retirantes, pois, para além dos direitos do sócio que se retira, existe a preservação da empresa, os interesses coletivos difusos e a função social do propriedade.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

______. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil.

HOOG, Wilson A. Z. Resolução de Sociedade & Avaliação do Patrimônio na Apuração de Haveres. 8. ed. Curitiba: Juruá, no prelo.

______. Recuperação Judicial: Plano de Recuperação Judicial. Administração Judicial. Perícia Contábil Prévia. Habilitação de Créditos de Factoring. Assembleia de Credores. Sistema de Amortização das Dívidas. Curitiba: Juruá Editora, 2020.

______. Moderno Dicionário Contábil: da Retaguarda à Vanguarda. 11. ed., Curitiba: Juruá, 2020.

As reflexões contabilísticas servem de guia referencial para a criação de conceitos, teorias e valores científicos. É o ato ou efeito do espírito de um cientista filósofo de refletir sobre o conhecimento, coisas, atos e fatos, fenômenos, representações, ideias, paradigmas, paradoxos, paralogismos, sofismas, falácias, petições de princípios e hipóteses análogas.


[1] HOOG, Wilson A. Z. Resolução de Sociedade & Avaliação do Patrimônio na Apuração de Haveres. 8. ed. Curitiba: Juruá,2022, no prelo.

[2] Indícios de fraudes representa tudo o que resulte ou possa resultar prejuízo aos credores, com o fim de obter ou assegurar vantagem indevida para a sociedade ou para os sócios. Outro exemplo de índicos de fraude, é o favorecimento do credor ex-sócio, que é o ato ou a disposição de desembolso, destinado a favorecer o ex-sócio em prejuízo dos demais credores.

[3] HOOG, Wilson A. Z. Recuperação Judicial: Plano de Recuperação Judicial. Administração Judicial. Perícia Contábil Prévia. Habilitação de Créditos de Factoring. Assembleia de Credores. Sistema de Amortização das Dívidas. Curitiba: Juruá Editora, 2020.

[4] Princípio da preservação da empresa – ação que visa garantir a integridade e a perenidade de atividade econômica, princípio este que garante a continuidade de uma sociedade empresarial, mesmo que com um único sócio, em decorrência de sua função social, assegurando a sua recuperação em caso de insolvência e a supremacia dos interesses da comunidade sobre a dos sócios.

[5] Capacidade de pagamento de haveres – é realizada através das análises de dados extraídos dos relatos contábeis, que nos permitem inferir a capacidade de pagamento de uma célula social, ou seja, a sua capacidade de pagamento e o comprometimento da geração de caixa que garantem a solvência, logo, é um fator crucial na decisão de um novo desembolso. A avaliação da suficiência da renda, ou da capacidade de pagamento, para desembolso mensal ou anual, deve ser efetuada com base em índices de liquidez, de giro de estoque, contas a pagar, contas a receber, e de solvência que demonstre a situação financeira, quiçá, concomitantemente com uma projeção de fluxo de caixa. E consiste na avaliação das dívidas que devem ser evitadas ou diminuídas, (número de prestações e valor das prestações), enquadrando-as no limite tolerável. As avaliações devem levar em consideração as informações existentes na própria célula social. As informações utilizadas para realizar a avaliação do risco devem considerar a possibilidade de descontinuidade e insolvência. Portanto, deve a análise considerar a capacidade de pagamento dentro da razoabilidade dos índices de liquidez e da geração de caixa. A proposta de desembolso a ser analisada considera as condições pré-existentes das dívidas e o perfil financeiro-econômico da célula social mensurado no balanço de determinação, tais como:

  • Impacto que esse compromisso terá na vida financeira da célula social;
  • O aspecto das condições para cumprir os pagamentos das parcelas no prazo;
  • As rendas e os compromissos financeiros já existentes.

O processo de análise da capacidade de pagamento visa identificar o limite do endividamento, o perfil de risco de insolvência por descontinuidade da liquidez e a probabilidade da célula social de honrar o compromisso. E, por derradeiro, gerar uma segurança razoável, um valor de parcela máxima para contratação de uma dívida junto ao sócio retirante. No caso da avaliação da capacidade de pagamento de haveres de sócio que se desliga, o raciocínio então desenvolvido é de que se deve conceber uma forma de liquidação que assegure, concomitantemente, a preservação da célula social e uma situação de igualdade entre os sócios que possibilite o pagamento dos haveres. A premissa fixada pela teoria pura da contabilidade, a do axioma da preservação das células sociais e do montante devido ao sócio dissidente em sintonia ao que o contrato social tenha eleito como critério para a apuração do pagamento dos haveres, este critério de desembolso somente prevalecerá caso haja viabilidade técnica de desembolso sem risco de insolvência. Havendo indicação técnico-científica-contábil de prazo diverso maior do que o pactuado, faculta-se a adoção deste prazo, a fim de que seja determinada uma melhor metodologia de liquidação, hipótese em que se preservará a continuidade do exercício da empresa, e a cláusula contratual somente será aplicada em relação ao modo de mensuração dos haveres. (HOOG, Wilson A. Z. Moderno Dicionário Contábil: da Retaguarda à Vanguarda. 11. ed., Curitiba: Juruá, 2020.)

[1] Wilson A. Zappa Hoog é sócio do Laboratório de perícia forense arbitral Zappa Hoog & Petrenco, perito em contabilidade e mestre em direito, pesquisador, doutrinador, epistemólogo, com 48 livros publicados, sendo que alguns dos livros já atingiram a marca de 11 e de 16 edições.